quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Carta e Memória, por Manuel Sousa





Carta


Havana, 31 de dezembro de 1958

Querida mãe,
Escrevo-te da embaixada pois atualmente é o único local seguro em toda a ilha para qualquer cidadão americano.
O embaixador Earl Smith pede-nos constantemente para confiarmos nas capacidades do presidente Fulgencio em gerir o país e em repelir qualquer ofensiva por parte do Movimento 26 de Julho. Porém parece-me que pela primeira vez na história da nação estadunidense é o “ser americano” que vai originar o massacre de tantos filhos do capitalismo.
Na realidade parece-me que não vou conseguir abandonar a ilha de Fidel com vida e por isso peço-te que digas ao pai que gosto muito dele e que aguardo que a minha ausência não o alegre muito. Espero que ele alguma vez me perdoe por não ter enveredado pela carreira de guerreiro da liberdade mas sempre gostei mais de argumentar nos tribunais pelos mais ou menos inocentes.
Sei que vou sentir falta das tuas tartes de maçã e do sumo de laranja pela tarde. A acrescentar a tudo isto sei agora que se os castristas chegarem ao ponto de entrar por aquelas portas nunca mais vou voltar a pisar o verdadeiro solo americano, o solo da liberdade, da corrupção e da pouco recorrente, porém adorada felicidade do “sonho americano”.
Sem mais para dizer, um filho que te adora,
Thomas


Memória

Recordo-me como se fosse hoje,
Corri, corri para sobreviver, hoje não me parece que seria capaz de correr tanto, não devido à idade mas talvez por já ter desistido de viver, por ter agora conhecimento da personalidade que a sociedade acabou por tomar.
Assim que hastearam aquelas bandeiras na câmara, embaixadoras de um budismo retorcido, eu, que me encontrava sentado num café que hoje não reconheço pois este foi levado, tal como muitas outras coisas daquele tempo que foram apagadas pela tormenta que varreu toda a Europa durante cerca de meio século. O medo tomou-me por ter conhecimento da aversão daqueles animais por qualquer pessoa que não partilhasse das suas crenças.
O medo tornou-se no combustível da minha máquina, do meu instinto e… corri, corri para fugir, corri para esquecer, corri por temer perder o que a vida representa para mim.
O sabor doce, delicado e aparentemente demasiado frágil foi-se perdendo ao longo das ruas do meu reduto, faltou-me repentinamente o ar ao perder a cor, sabia onde ela estava, mas já não a identificava como minha, tinham-me roubado o meu abrigo, roubaram-me a minha essência e foi assim que eu morri, ao ver a minha imergir num inferno do qual não regressou ainda.

Manuel Luís Gouveia Lima Pires de Sousa 10ºB nº12

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